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Thursday
Sep072023

A Casa no Lago - Sommerhaus am See

Maria Teresa Santoro Dörrenberg 

A Casa no Lago é um romance histórico de Thomas Harding que reconstitui a história dos habitantes de uma super casa de veraneio, localizada às margens do lago Gross Glienicke, nas redondezas de Berlim, Alemanha.
Casa no Lago restaurada (Foto: 2023)

A qualificação “super” é porque a casa e aqueles que a ocuparam têm uma história única de sobrevivência, especialmente essa casa que se destaca na linha de frente da complexa e triste história alemã. E sobrevive.
Thomas Harding é neto de Elsie, filha do reconhecido médico judeu alemão Alfred Alexander que, em 1927, compra um terreno na região e constrói uma casa de férias para a família poder usufruir o verão berlinense.
Vista da casa para o lago Groß Glienicke (Foto: 2023)
São os anos 20 e, acabada a Primeira Guerra Mundial, tudo começa a florescer no mundo. É também uma época de ascendência da Alemanha e sua capital, Berlim, cresce. Novos empreendimentos caracterizam os anos
dourados da Republica de Weimar: a eletrificação ferroviária, a criação de transporte em Berlim, novos canais, estradas, fábricas, escolas e parques. É ainda uma era de renascimento cultural na arte, no cinema, surge a
Bauhaus e o teatro de Berthold Brecht.
A quebra da bolsa de valores americana em 1929 derruba o comércio internacional. A Alemanha é fortemente afetada, o que, como consequência, propicia a ascensão do partido nazista.
Essa é uma parte da história dessa super casa que o Grupo da Leitura, do qual participo, escolheu ler e conhecer.
A história segue com o início da Segunda Guerra Mundial, liderada pelo antissemita A. Hitler, em 1939, e a perseguição dos judeus. Na sequência das terríveis medidas nazistas em Berlim, a família Alexander consegue
asilo na Inglaterra. Nossa super casa é tomada pelo Terceiro Reich e vendida ao conhecido produtor musical Will Meizel e sua mulher, a atriz Eliza Meizel que continuaram nas profissões. A situação política na Alemanha, porém, vai ficando complicada com a guerra e na década de 40, os Meizels também saem da Alemanha.
Cartaz de uma produção de Will Meizel (Foto: 2023)
Terminada a guerra em 1945, as 4 forças aliadas – francesa, britânica, norte-americana e soviética - reorganizam a Alemanha em 4 zonas de ocupação compondo um único país. Insatisfeitos, porém, os soviéticos
que controlam a parte oriental da Alemanha decidem pela separação do país e criam a República Democrática da Alemanha, ou DDR.
São os anos 50 em que Ella Fuhrmann, conhecida dos Meizels, com 2 filhos moram na casa para cuidar de sua manutenção. Em um dia de 1961, porém, um barulho anormal assusta a família Fuhrmann, que assiste a criação de um muro no jardim da casa, separando o terreno e impedindo a visão do lago: é o muro de Berlim que divide a cidade em parte oriental e parte ocidental.
A casa passa a pertencer à DDR e mais uma família tem permissão para morar nela. Trata-se do casal Wolfgang e Irene Kühne com seus 2 filhos.
W. Kühne é um funcionário da limpeza pública que trabalha também como informante da Stasi, a polícia secreta da DDR. A casa então é também dividida e reorganizada para acomodar as 2 famílias. Kühne empreende modificações para o isolamento e aquecimento da casa no inverno, insere janelas, constrói nova garagem e abrigo para animais.
Lareira e decoracao com Azulejos de Delft (Foto: 2023)
Com a queda do muro de Berlim, em 1989, os cidadãos da DDR ficam sem emprego e a maioria das propriedades dessa região são expropriadas.
Em 1990 a Alemanha cria o tratado de reunificação de propriedades expropriadas e reintegração aos antigos donos. Mas a nossa super casa, abandonada, é usada pelo filho de Kühne para festas e atividades
clandestinas, e depois moradia provisória para ociosos, skinheads e animais, e lugar para uso de drogas. Sem cuidados, parte do telhado cede, janelas quebram, utensílios e objetos são roubados e a casa, parcialmente destruída, se transforma em um problema para os vizinhos e para a prefeitura de Potsdam que decide demoli-la.
Em 2013, o bisneto de Alfred Alexander, autor do romance histórico A Casa no Lago, toma um avião em Londres rumo a Berlim para visitar a casa da família e descobre o decreto de sua demolição.
Com o apoio de um órgão de preservação histórica, da comunidade solidária de Groß Glienicke e de membros da família Alexander que se juntam à memória de conservação da preciosa história da casa e suas famílias, em abril de 2014 eles instauram o Dia da Faxina: 60 pessoas limpam a casa e o jardim.
A Casa no Lago é depois restaurada e é hoje um museu da história germano-judaica, de reconciliação e encontro e é historicamente preservada pela organização Alexander Haus.
Romance histórico lido e comentado por nós na reunião mensal que fizemos, resolvemos visitar a casa e marcamos nossa ida com a organização. Foi em um dos primeiros dias de verão berlinense de 2023. Dia ensolarado e quente, viajamos de carro por 1 hora aproximadamente até Gross Glienicke e lá estava ela, a Casa no Lago restaurada e linda, como na época em que foi construída e habitada.
Cia da Leitura (Foto: 2023)
Contornamos o terreno e entramos pela porta principal. Olhos curiosos e observadores, inspecionamos os espaços, a arquitetura interior e exterior, as cores, os detalhes da construção do início do século 20, a linda vista do lago onde passeiam berlinenses, barcos a vela e onde muitas crianças brincam na água.
Uma integrante da Fundação Alexander nos apresenta um resumo dos eventos e acontecimentos que permeiam a história da casa, de seus inquilinos e proprietários, de Berlim e da Alemanha.
Passeamos pelos arredores da construção, dos restos do muro que dividiu seu terreno, da área que um dia abrigou uma antiga fazenda, antes da casa, pegamos o carro e contornamos o grande lago de Gross Glienicke e
lanchamos próximos à promenade do lago, repleta de bares e restaurantes.
Portal de Groß Glienicke (Foto: 2023)
Voltamos a Berlim no final da tarde, felizes por tê-la visitado e explorado, conhecendo um pouco mais da história desse país e sua gente.
Monday
Jun122023

Bauhaus - uma grande história

Maria Teresa Santoro Dörrenberg 

Exemplar único, série, protótipo, remake, original, cópia, produção, reprodução: é a Bauhaus.
Você sabe o que é a Bauhaus? Você gosta do design e da produção Bauhaus?
Mas você conhece a história dela?

Prédio da Bauhaus em Dessau, Alemanha. Arquieto: Walter Gropius 1925/6. (Foto: Christoph Petras, 2011)


Eu vou te contar como foi a minha experiência da Bauhaus. 

Em 2011 eu estava escrevendo a ficção “Corpo Estranho” sobre um ciborgue que quer se conhecer e por isso viaja pela história da arte e das mídias. 

Em um capítulo da história o ciborgue visita Dessau, onde a escola Bauhaus funcionou de 1919 até 1933. 

Na época eu morava em Colônia e fiz um bate-volta a Dessau, ficando mais de 10 horas dentro de um trem. Era inverno e a paisagem seca de vegetação e bem fria não era muito animadora.  

Interior do prédio da Bauhaus, em Dessau, Alemanha (Foto: arquivo Maria Teresa Santoro)

Aproximando-me do prédio, arquitetura de Walter Gropius que foi também seu primeiro diretor, pude avaliar como as pessoas de 1926 ficaram surpresas com a construção que eu via. Toda aquela sua moderna arquitetura foi pensada na função que desempenharia. A porta vermelha com o nome em branco acima impressiona. A fachada envidraçada da escola; estruturas de aço aparente; uso das cores nas paredes com linguagem ou orientação visual em todos os andares. Além de identificar os andares dos prédios, as cores internas ajudam a ampliar ambientes, escurecê-los ou refletir a luz; cabos suspensos com pequenas lâmpadas dispostas assimetricamente na direção do anfiteatro; o teatro de Oscar Schlemmer, o teatro total, com bastidor retrátil que permite que o espetáculo seja apreciado de todos os ângulos. Detalhes funcionais das portas, das janelas etc. geraram em mim um forte impacto. 

"Balé Triádico" de Oskar Schlemmer (Foto: Reprodução)

Atrás do teatro há uma cantina e atrás da cantina fica o prédio dos estudantes. Uma arquitetura tão diferente do contexto e daquele início de século 20! Fico imaginando a discussão que essa construção provocou na época.

Interior do prédio da Bauhaus, em Dessau, Alemanha (Foto: Maria Teresa Santoro)

Ando pelos corredores, subo escadas e descubro uma visita guiada em andamento. Aproximo-me e me inteiro de que o guia está começando e peço para participar. Ele é um aluno da escola que agora funciona para pesquisa, aprendizado, design, exposição e concerto.

A Bauhaus foi uma escola de arte e design que tinha como conceitos básicos as formas - quadrado, triângulo e círculo - e as cores - vermelho, amarelo e azul. E foi imune a detalhes, centrada na funcionalidade e reprodutibilidade da produção. Seu objetivo foi a criação de protótipos para a manufatura industrial.

Fachada Bauhaus (Foto: Reprodução)

Apesar de ter sido uma pequena escola, ela marcou a entrada da modernidade na vida do cidadão. Antiacadêmica, funcionava sob dois pilares: o ensino com os professores e a prática com os mestres artesãos nas oficinas. Um trabalho conjunto com atividades avantgarde.

(Foto: Reprodução)

14 anos depois de seu início, em 1933, o nazismo fechou a escola e seus alunos e mestres espalharam-se pelo mundo. Se a guerra matou a escola, não conseguiu matar sua alma e seu conceito de aprendizado, do exercício de experimentação mesclado ao jogo livre da fantasia. Resolvendo questões e trabalhando em conjunto, mestres, artesãos e alunos criaram e desenvolveram objetos do cotidiano, brinquedos e jogos. Eles criaram o estilo Bauhaus, inovaram móveis, objetos, moda, dança, tipografia, arte, tapeçaria e arquitetura, dentro de uma sociedade aberta e democrática, múltipla e internacional. 


"Escadas Bauhaus" de Oskar Schlemme (Foto: Reprodução)

Quando se fala em Bauhaus pensa-se num conceito e num estilo próprio. No início do século 20 o objetivo foi projetar peças, objetos e outros artefatos e bens com materiais simples, baratos e fáceis de serem encontrados, tornando o produto acessível a uma classe social de pessoas que anteriormente não podia tê-los, ou seja, a ideia da produção em massa. Em outras palavras: um armário que era anteriormente construído pelo artesão e, portanto, tinha que ser encomendado, demorava para ser fabricado e custava caro, com o projeto da escola Bauhaus, passou a ser desenvolvido em série pela indústria, tornou-se barato e acessível ao cidadão assalariado.

"Gato e Pássaro" de Paul Klee (Foto: Reprodução)

Hoje, no mundo pós-moderno e capitalista, verifica-se mudanças na qualidade dos materiais utilizados, visando maior barateamento do produto e de sua acessibilidade. Tok Stok no Brasil, Ikea na Europa são exemplos. Escritórios e casas são mobiliados com sofás e poltronas projetados por Marcel Breuer, agora equipados com couro sintético e que se adequam perfeitamente ao projeto inicial. E o projeto original de Breuer, em couro e atualmente caro, acaba sendo comercializado em sofisticadas lojas de móveis e decoração.

(Foto: Ralf Hirschberger)

De Dessau em 2011 à Berlinischen Galerie de 2019 passaram-se anos, mas essa nova viagem pela Bauhaus foi muito interessante e produtiva, visitando a exposição comemorativa dos 100 anos da escola Bauhaus. Se você quiser saber como foi a exposição,  leia o artigo original "bauhaus: a história por trás do objeto”. Esse mega evento reuniu obras de museus, de galerias e de proprietários privados nacionais e internacionais num espaço de 1.200 metros quadrados do andar térreo da galeria durante mais de 3 meses. Pense na palavra original e seus sentidos. Acertou! Tudo foi muito original: a Bauhaus, a forma de apresentar a exposição, a participação do visitante e as propostas que aconteceram durante a exposição.

Thursday
May182023

Johannes Vermeer e Vincent van Gogh em Amsterdam

Maria Teresa Santoro Dörrenberg 

Amsterdam, Holanda, março de 2023

E lá vou eu em uma aventura pela arte que sempre me surpreende e encanta.

Destino: Amsterdam. Presenteei-me alguns dias na capital da Holanda para ver de perto o trabalho de Johannes Vermeer, nas diferentes pinturas que a ele são atribuídas.

Estação Central de Amsterdam (Foto: Reprodução)

Voo rápido, trem e finalmente a antiga e linda Estação Central da cidade. Fundada em 1889 pelo arquiteto holandês Pierre Cuypers – que também projetou o museu Rijks – no estilo neorrenascentista, a estação foi construída com tijolos vermelhos, apoiada por 9 mil pilares de madeira e assentada sobre 3 ilhas artificiais no rio IJ. A arquitetura interna em arcos tem decoração com pinturas e outros detalhes ornamentais. Ela ainda preserva a sala de espera da família real na plataforma 2B, com uma porta com detalhes dourados por onde entrava a carruagem real. Como o próprio nome ressalta, a estação está localizada numa parte da cidade onde tudo acontece. Daí seu nome. 

Ainda é inverno, mas o sol aparece e ilumina os adornos arquitetônicos dourados da velha estação. Um vento bem gelado atravessa o casaco, as luvas, o gorro e passo meu cachecol mais uma volta pelo pescoço. Vou em frente e encaro a cidade que se ilumina e, apesar de fria e ventosa, torna-se bela.

A imersão é na concorrida exposição Vermeer, no Rijksmuseum, com a informação de que a mostra apresenta a totalidade dos quadros do pintor. E cujos ingressos esgotaram-se em poucos dias.

"Oficial e Moça Sorrindo", de Johannes Veermer (Foto: Reprodução)

Estudei a pintura desse mestre holandês do século XVII, nascido em Delft, onde viveu e morreu, que observou e retratou cenas familiares e do cotidiano das pessoas na Delft daquele tempo. Eu estava escrevendo uma ficção e em um dos capítulos o protagonista da história visita o quadro A Leiteira e conhece o pintor e a criada de Vermeer. E, em ficção, asas à imaginação e à fantasia onde tudo é possível!

 "A Leiteira", de Johannes Vermeer (Foto: Reprodução)

Agudo observador, o pintor desenvolveu seu senso apurado desde a infância na pousada da família, pois assim como em outros desses estabelecimentos, seu pai comercializava arte, usando a pousada para mostras, leilões e vendas de quadros.

Casado com Catharina Bolnes, o casal teve 11 filhos, um dos motivos para o artista criar telas de tamanho médio ou pequeno, melhor comercializável do que em tamanho grande. Trata-se ainda de uma época em que a religiosidade na Holanda cujos encargos sagrados de grandes afrescos nas igrejas entra em declínio, propiciando uma crescente produção artística voltada para a decoração doméstica de uma classe mais abastada. Foi uma época de florescimento da pintura holandesa, uma pintura pagã com cenas da vida cotidiana, e Delft era um centro comercial próspero no século XVII, principalmente organizado em torno da praça do mercado. 

Muita expectativa para a exposição e para conhecer o museu que passou por grande e longa reforma. Porém, chegamos muito cedo e tivemos que nos abrigar do frio num bar perto, onde juntavam-se pessoas de todas as idades e nacionalidades, concentradas numa conversa, num celular, no trabalho em um laptop, ou simplesmente quietas sem nada para fazer a não ser esperar o tempo desse final de tarde passar, ou ainda a abertura da mostra de Vermeer. Finalmente aproximamo-nos da entrada, de ingressos nas mãos, felizes por estamos ali, naquele evento.

 Museu Rijks (Foto: Maria Teresa Santoro)

O Rijksmuseum, com cerca de 14.500 metros quadrados e um montante de aproximadamente 8 mil obras de artistas holandeses, pode ser traduzido para ‘museu do estado’. Essa imponente construção existe há mais de 200 anos e sua arquitetura tem o estilo neorrenascentista holandês, que era moda na época. Porém, marcantes elementos neogóticos estão presentes na sua forma e decoração, com obras elaboradas nas paredes, nobres desenhos e materiais nos pisos, esculturas e alguns belos vitrais coloridos, ostentando seus artistas mais famosos. 

Interior do Museu Rijks (Foto: Maria Teresa Santoro)

Além da suntuosidade que emana no Rijksmuseum, surpreendeu-me a receptividade, a cordialidade e bom humor dos funcionários, o interesse e a presença massiva de visitantes. E as obras de Johannes Vermeer, é claro!

São principalmente figuras femininas, retratadas de forma delicada, interpretações poéticas e sensíveis da realidade em atividades do dia a dia, sempre contemplativas, absortas na cena e iluminadas pela luz que vem da janela. 

Quadros de interiores compondo determinada cena feminina têm a marca Vermeer na luz e nas cores acentuadas que enriquecem a cena e a personagem, destacando-a. Não as conhecemos e, entretanto, elas nos cativam e prendem nossa atenção, contando-nos possíveis histórias de todos os tempos, o indizível com as inúmeras possibilidades de interpretação.

"Moça com o Brinco de Pérola", de Johannes Vermeer (Foto: Reprodução)

Vermeer adentra o mundo emocional e secreto das mulheres, seus sorrisos, suas pérolas, seus pensamentos e silêncios, seu trabalho, suas curiosidades, seus olhares, seus detalhes e suas cores. E assim as retrata.

Impossível não se emocionar com o olhar da moça com o brinco de pérola, ou com a pensativa leiteira. 

Vermeer sabia das restrições à utilização de qualquer recurso tecnológico para a composição das obras e que ditava as regras dos pintores de Delft e daquela época, pois para exercer a profissão era necessário pertencer à corporação, ou seja, ao sindicato que ordenava a vida social. E o uso de qualquer recurso auxiliar e paralelo à própria pintura desmerecia a obra e seu artista, transformando-o num pária. 

"A Ruela", de Johannes Vermeer (Foto: Reprodução)

Mas, quando observei o quadro A Ruela, de 1661, senti que algo ali diferenciava-se da pintura daquela época. Ele é mais do que uma pintura, mais do que um retrato e mais do que uma fotografia. O quadro é especial, é diferente e parece saltar da tela. É extraordinário!

A câmera escura era bem conhecida na Holanda daquela época e muitos artistas a usaram. Então, fica a pergunta: teria Vermeer feito uso da câmera escura para engendrar tanta perfeição e realidade?

 

 

Meu último dia em Amsterdam foi no Museu Van Gogh. Ele gerencia a coleção da Fundação van Gogh com as obras, os pertences, as cartas e tudo que diz respeito ao artista. Na verdade, o museu é composto por 2 prédios, incorporados por um túnel subterrâneo. No primeiro edifício, projeto do arquiteto holandês G. Rietveld, em 1973, estão os 200 quadros e os 400 desenhos do artista, expostos em 4 andares. O segundo prédio foi um projeto complementar de 1999, do arquiteto japonês K. Kurokawa em forma de elipse, onde pude conhecer em texto e imagens a história e os personagens que habitaram a vida e o percurso de van Gogh.

Museu Van Gogh (Foto: Reprodução)

O que falar desse artista e sua obra? Trabalho estupendo de um homem perfeccionista, extremamente engajado em seu trabalho, porém atormentado. É difícil expor em palavras meu sentimento ao contemplar a pintura de Vincent van Gogh. 

Nascido em março de 1853, em Zundert, na Holanda, o filho mais velho de um pastor recebe educação religiosa e, no início de carreira, pregou o evangelho em algumas comunidades. Também deu aulas e trabalhou em galeria, no comércio de arte.

Depois desse vai e vem em diferentes e frustrantes começos, depois de muitas mudanças de paisagens e de ideias, e ainda aconselhado pelo irmão Theo, com quem manteve uma forte correspondência ao longo da vida e carreira, decide tornar-se pintor. A aventura começa com seu amor pelas coisas simples e pela gente do campo. Van Gogh abraça a natureza e suas paisagens, seus habitantes, tornando-se um pintor da vida dos camponeses.  

Prossigo pelos espaços dos prédios, ouvindo a gravação contextualizar e explicar o que vejo. Percebo as mudanças, as novas tentativas e a evolução da criação artística de van Gogh. 

"Os comedores de batata", de Vincent van Gogh (Foto: Reprodução)

A fase inicial desse talentoso artista tem tons sombrios e quase sem cor como, por exemplo, Os Comedores de Batatas, que tem na luminosidade a criação de um lusco fusco impressionante, acentuando os detalhes das figuras de camponeses ali representadas, de semblantes velhos, cansados, sisudos e na cor das batatas, como o próprio artista os descreve em carta ao irmão: “Tinha feito todas as cabeças  e tinha-as acabado com bastante esmero – mas pintei-as prontamente de novo, sem dó nem piedade, e a cor com que estão pintadas agora é quase a cor de uma batata bem poeirenta, não descascada, naturalmente.” O efeito é fascinante!

"O par de sapatos", de Vincent van Gogh (Foto: Reprodução)

Sua arte é uma incessante procura, o desejo de conseguir expressar o que vê, as infindáveis tentativas de acertos e desacertos, o desespero e a impaciência de chegar num consenso e finalmente realizar. Essa foi sempre a caminhada de Vincent van Gogh artista e ser humano. 

A mudança desse primeiro estilo para uma criação colorida coincide com sua temporada em Paris, época em que mora no apartamento do irmão Theo e faz contato com outros pintores, aproximando-se do impressionismo.  Experimenta a cor de forma bastante suave e clara no início, assim como as diferentes técnicas de pintura com a cor, o pincel, as linhas e os planos. 

"Doze girassóis numa jarra", de Vincent van Gogh (Foto: Reprodução)

Apesar de estar envolvido com os avanços artísticos de seu tempo, ter contato com vários artistas, participar de exposições, corresponder-se e trocar obras suas com outros artistas, foi desenvolvendo e criando um estilo próprio, de vigorosas pinceladas, de colorido mais vibrante e intenso, afastando-se do pontilhismo e impressionismo. Vincent expressa-se para Theo: “Começo a procurar cada vez mais uma técnica simples que talvez não seja impressionista. Gostaria de pintar de uma tal maneira que qualquer um que tenha olhos possa perceber bem”. 

"A noite estrelada", de Vincent van Gogh (Foto: Reprodução)

São as sempre presentes tentativas de chegar onde quer chegar, dos frustrantes ensaios e das depressões que o atormentam e o perseguem.

Essa é também a época dos autorretratos, na exposição expostos em sequencia linear onde pude observar as diferentes fases de sua criação, até a pintura que hoje identifica o artista, como, por exemplo “Girassóis”, de 1889, uma harmonia encontrada em tons de amarelo.

"Autorretrato com chapéu de feltro cinza", de Vincent van Gogh (Foto: Reprodução)

Entretanto, no ano seguinte, o artista passa por temporadas de confusão mental e outras de serenidade, cheias de composições produtivas.

Após o episódio da orelha cortada e sua internação em um asilo, Vincent van Gogh suicida-se com um tiro aos 37 anos.

Um museu e acervo perturbadores! Deixo Van Gogh bailar em minha memória com mais uma citação:

“Depois, quando a minha vida acabar, espero partir olhando para trás apenas com amor e melancolia, pensando oh, as pinturas que teria feito!”