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Thursday
May182023

Johannes Vermeer e Vincent van Gogh em Amsterdam

Maria Teresa Santoro Dörrenberg 

Amsterdam, Holanda, março de 2023

E lá vou eu em uma aventura pela arte que sempre me surpreende e encanta.

Destino: Amsterdam. Presenteei-me alguns dias na capital da Holanda para ver de perto o trabalho de Johannes Vermeer, nas diferentes pinturas que a ele são atribuídas.

Estação Central de Amsterdam (Foto: Reprodução)

Voo rápido, trem e finalmente a antiga e linda Estação Central da cidade. Fundada em 1889 pelo arquiteto holandês Pierre Cuypers – que também projetou o museu Rijks – no estilo neorrenascentista, a estação foi construída com tijolos vermelhos, apoiada por 9 mil pilares de madeira e assentada sobre 3 ilhas artificiais no rio IJ. A arquitetura interna em arcos tem decoração com pinturas e outros detalhes ornamentais. Ela ainda preserva a sala de espera da família real na plataforma 2B, com uma porta com detalhes dourados por onde entrava a carruagem real. Como o próprio nome ressalta, a estação está localizada numa parte da cidade onde tudo acontece. Daí seu nome. 

Ainda é inverno, mas o sol aparece e ilumina os adornos arquitetônicos dourados da velha estação. Um vento bem gelado atravessa o casaco, as luvas, o gorro e passo meu cachecol mais uma volta pelo pescoço. Vou em frente e encaro a cidade que se ilumina e, apesar de fria e ventosa, torna-se bela.

A imersão é na concorrida exposição Vermeer, no Rijksmuseum, com a informação de que a mostra apresenta a totalidade dos quadros do pintor. E cujos ingressos esgotaram-se em poucos dias.

"Oficial e Moça Sorrindo", de Johannes Veermer (Foto: Reprodução)

Estudei a pintura desse mestre holandês do século XVII, nascido em Delft, onde viveu e morreu, que observou e retratou cenas familiares e do cotidiano das pessoas na Delft daquele tempo. Eu estava escrevendo uma ficção e em um dos capítulos o protagonista da história visita o quadro A Leiteira e conhece o pintor e a criada de Vermeer. E, em ficção, asas à imaginação e à fantasia onde tudo é possível!

 "A Leiteira", de Johannes Vermeer (Foto: Reprodução)

Agudo observador, o pintor desenvolveu seu senso apurado desde a infância na pousada da família, pois assim como em outros desses estabelecimentos, seu pai comercializava arte, usando a pousada para mostras, leilões e vendas de quadros.

Casado com Catharina Bolnes, o casal teve 11 filhos, um dos motivos para o artista criar telas de tamanho médio ou pequeno, melhor comercializável do que em tamanho grande. Trata-se ainda de uma época em que a religiosidade na Holanda cujos encargos sagrados de grandes afrescos nas igrejas entra em declínio, propiciando uma crescente produção artística voltada para a decoração doméstica de uma classe mais abastada. Foi uma época de florescimento da pintura holandesa, uma pintura pagã com cenas da vida cotidiana, e Delft era um centro comercial próspero no século XVII, principalmente organizado em torno da praça do mercado. 

Muita expectativa para a exposição e para conhecer o museu que passou por grande e longa reforma. Porém, chegamos muito cedo e tivemos que nos abrigar do frio num bar perto, onde juntavam-se pessoas de todas as idades e nacionalidades, concentradas numa conversa, num celular, no trabalho em um laptop, ou simplesmente quietas sem nada para fazer a não ser esperar o tempo desse final de tarde passar, ou ainda a abertura da mostra de Vermeer. Finalmente aproximamo-nos da entrada, de ingressos nas mãos, felizes por estamos ali, naquele evento.

 Museu Rijks (Foto: Maria Teresa Santoro)

O Rijksmuseum, com cerca de 14.500 metros quadrados e um montante de aproximadamente 8 mil obras de artistas holandeses, pode ser traduzido para ‘museu do estado’. Essa imponente construção existe há mais de 200 anos e sua arquitetura tem o estilo neorrenascentista holandês, que era moda na época. Porém, marcantes elementos neogóticos estão presentes na sua forma e decoração, com obras elaboradas nas paredes, nobres desenhos e materiais nos pisos, esculturas e alguns belos vitrais coloridos, ostentando seus artistas mais famosos. 

Interior do Museu Rijks (Foto: Maria Teresa Santoro)

Além da suntuosidade que emana no Rijksmuseum, surpreendeu-me a receptividade, a cordialidade e bom humor dos funcionários, o interesse e a presença massiva de visitantes. E as obras de Johannes Vermeer, é claro!

São principalmente figuras femininas, retratadas de forma delicada, interpretações poéticas e sensíveis da realidade em atividades do dia a dia, sempre contemplativas, absortas na cena e iluminadas pela luz que vem da janela. 

Quadros de interiores compondo determinada cena feminina têm a marca Vermeer na luz e nas cores acentuadas que enriquecem a cena e a personagem, destacando-a. Não as conhecemos e, entretanto, elas nos cativam e prendem nossa atenção, contando-nos possíveis histórias de todos os tempos, o indizível com as inúmeras possibilidades de interpretação.

"Moça com o Brinco de Pérola", de Johannes Vermeer (Foto: Reprodução)

Vermeer adentra o mundo emocional e secreto das mulheres, seus sorrisos, suas pérolas, seus pensamentos e silêncios, seu trabalho, suas curiosidades, seus olhares, seus detalhes e suas cores. E assim as retrata.

Impossível não se emocionar com o olhar da moça com o brinco de pérola, ou com a pensativa leiteira. 

Vermeer sabia das restrições à utilização de qualquer recurso tecnológico para a composição das obras e que ditava as regras dos pintores de Delft e daquela época, pois para exercer a profissão era necessário pertencer à corporação, ou seja, ao sindicato que ordenava a vida social. E o uso de qualquer recurso auxiliar e paralelo à própria pintura desmerecia a obra e seu artista, transformando-o num pária. 

"A Ruela", de Johannes Vermeer (Foto: Reprodução)

Mas, quando observei o quadro A Ruela, de 1661, senti que algo ali diferenciava-se da pintura daquela época. Ele é mais do que uma pintura, mais do que um retrato e mais do que uma fotografia. O quadro é especial, é diferente e parece saltar da tela. É extraordinário!

A câmera escura era bem conhecida na Holanda daquela época e muitos artistas a usaram. Então, fica a pergunta: teria Vermeer feito uso da câmera escura para engendrar tanta perfeição e realidade?

 

 

Meu último dia em Amsterdam foi no Museu Van Gogh. Ele gerencia a coleção da Fundação van Gogh com as obras, os pertences, as cartas e tudo que diz respeito ao artista. Na verdade, o museu é composto por 2 prédios, incorporados por um túnel subterrâneo. No primeiro edifício, projeto do arquiteto holandês G. Rietveld, em 1973, estão os 200 quadros e os 400 desenhos do artista, expostos em 4 andares. O segundo prédio foi um projeto complementar de 1999, do arquiteto japonês K. Kurokawa em forma de elipse, onde pude conhecer em texto e imagens a história e os personagens que habitaram a vida e o percurso de van Gogh.

Museu Van Gogh (Foto: Reprodução)

O que falar desse artista e sua obra? Trabalho estupendo de um homem perfeccionista, extremamente engajado em seu trabalho, porém atormentado. É difícil expor em palavras meu sentimento ao contemplar a pintura de Vincent van Gogh. 

Nascido em março de 1853, em Zundert, na Holanda, o filho mais velho de um pastor recebe educação religiosa e, no início de carreira, pregou o evangelho em algumas comunidades. Também deu aulas e trabalhou em galeria, no comércio de arte.

Depois desse vai e vem em diferentes e frustrantes começos, depois de muitas mudanças de paisagens e de ideias, e ainda aconselhado pelo irmão Theo, com quem manteve uma forte correspondência ao longo da vida e carreira, decide tornar-se pintor. A aventura começa com seu amor pelas coisas simples e pela gente do campo. Van Gogh abraça a natureza e suas paisagens, seus habitantes, tornando-se um pintor da vida dos camponeses.  

Prossigo pelos espaços dos prédios, ouvindo a gravação contextualizar e explicar o que vejo. Percebo as mudanças, as novas tentativas e a evolução da criação artística de van Gogh. 

"Os comedores de batata", de Vincent van Gogh (Foto: Reprodução)

A fase inicial desse talentoso artista tem tons sombrios e quase sem cor como, por exemplo, Os Comedores de Batatas, que tem na luminosidade a criação de um lusco fusco impressionante, acentuando os detalhes das figuras de camponeses ali representadas, de semblantes velhos, cansados, sisudos e na cor das batatas, como o próprio artista os descreve em carta ao irmão: “Tinha feito todas as cabeças  e tinha-as acabado com bastante esmero – mas pintei-as prontamente de novo, sem dó nem piedade, e a cor com que estão pintadas agora é quase a cor de uma batata bem poeirenta, não descascada, naturalmente.” O efeito é fascinante!

"O par de sapatos", de Vincent van Gogh (Foto: Reprodução)

Sua arte é uma incessante procura, o desejo de conseguir expressar o que vê, as infindáveis tentativas de acertos e desacertos, o desespero e a impaciência de chegar num consenso e finalmente realizar. Essa foi sempre a caminhada de Vincent van Gogh artista e ser humano. 

A mudança desse primeiro estilo para uma criação colorida coincide com sua temporada em Paris, época em que mora no apartamento do irmão Theo e faz contato com outros pintores, aproximando-se do impressionismo.  Experimenta a cor de forma bastante suave e clara no início, assim como as diferentes técnicas de pintura com a cor, o pincel, as linhas e os planos. 

"Doze girassóis numa jarra", de Vincent van Gogh (Foto: Reprodução)

Apesar de estar envolvido com os avanços artísticos de seu tempo, ter contato com vários artistas, participar de exposições, corresponder-se e trocar obras suas com outros artistas, foi desenvolvendo e criando um estilo próprio, de vigorosas pinceladas, de colorido mais vibrante e intenso, afastando-se do pontilhismo e impressionismo. Vincent expressa-se para Theo: “Começo a procurar cada vez mais uma técnica simples que talvez não seja impressionista. Gostaria de pintar de uma tal maneira que qualquer um que tenha olhos possa perceber bem”. 

"A noite estrelada", de Vincent van Gogh (Foto: Reprodução)

São as sempre presentes tentativas de chegar onde quer chegar, dos frustrantes ensaios e das depressões que o atormentam e o perseguem.

Essa é também a época dos autorretratos, na exposição expostos em sequencia linear onde pude observar as diferentes fases de sua criação, até a pintura que hoje identifica o artista, como, por exemplo “Girassóis”, de 1889, uma harmonia encontrada em tons de amarelo.

"Autorretrato com chapéu de feltro cinza", de Vincent van Gogh (Foto: Reprodução)

Entretanto, no ano seguinte, o artista passa por temporadas de confusão mental e outras de serenidade, cheias de composições produtivas.

Após o episódio da orelha cortada e sua internação em um asilo, Vincent van Gogh suicida-se com um tiro aos 37 anos.

Um museu e acervo perturbadores! Deixo Van Gogh bailar em minha memória com mais uma citação:

“Depois, quando a minha vida acabar, espero partir olhando para trás apenas com amor e melancolia, pensando oh, as pinturas que teria feito!”