Blog Index
The journal that this archive was targeting has been deleted. Please update your configuration.
Navigation
« O fantástico mundo de Matthew Barney | Main | A Modernidade de Burle Marx em Berlim »
Monday
Jul152024

Ars Electronica 2011

POR MARIA TERESA SANTORO
2011


Tunel Tunnel Ars Electronica 2011 Rejane Cantoni Leonardo CrescentiImagem da obra "Túnel", de Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti. Foto Leonardo Crescenti.

Linz é uma pequena cidade no norte da Áustria. Para os antenados em arte, mídia e tecnologia, entretanto, Linz não é somente mais uma cidade barroca à beira do Danúbio, mas o centro das atenções dos que trabalham ou pesquisam os fundamentos e as tecnologias de ponta, pois é lá que, todos os anos, em setembro, acontece o Ars Electronica, um festival internacional interdisciplinar que apresenta e incentiva as melhores produções de experts do mundo inteiro.  

Cidade que já foi residência de reis na Idade Média, do astrólogo Johannes Kepler, do compositor Anton Bruckner e do filósofo Ludwig Wittgenstein, entre outros, no final do verão europeu Linz se transforma em um local performático, invadido por jovens e adultos dos 4 cantos do mundo que lotam seus hotéis, restaurantes e cafés, imprimindo uma atmosfera colorida e festiva à cidade.

Instalado à beira do rio desde 1996, o Ars Electronica Center hoje é um moderno prédio de vidro que, à noite, pode adquirir qualquer das cores do arco-íris, dependendo do gosto do artista convidado para fazer a performance. Com 5 andares, ele abriga o chamado Museu do Futuro e o Futurelab (laboratório do futuro), onde são desenvolvidos e apresentados projetos relacionados às artes e às tecnologias contemporâneas. Esse centro abriga ainda o mais importante festival de arte e mídia digitais, premiando trabalhos de animação em computador, filme e música digitais, arte híbrida, arte interativa, comunidades digitais e projetos de estilo livre.

Os trabalhos, as performances, os concertos, as instalações, as apresentações, as discussões e os seminários espalham-se pelos diversos prédios da cidade, misturando-se a trabalhos e apresentações de outras instituições e parcerias.

Nesse contexto, o Ars Electronica Centrum e o OK Centrum ocupam espaços de igrejas, museus e universidade, de prédios comerciais a pátios de estacionamento, apresentando-se nos tradicionais prédios de exposição ou utilizando outros espaços e formatos.

Passeando por esses lugares é possível, além dos artistas e dos organizadores, encontrar-se com personalidades do mundo das artes e mídias, especialistas do MIT, bandos de punks e outras estranhas figuras, assim como curiosos moradores locais.

Crianças, por exemplo, transformam a instalação aquática de uma fonte (do dinamarquês J.Hein) em praia local. Visitantes exploram o circuito de uma longa e ramificada instalação-ponte de madeira (do suíco J. Conzett em colaboração com o escritório de arquitetura japones Bow-Wow) que atravessa o topo de diversos edifícios do centro, passando pela torre de uma igreja. De lá tem-se uma visão panorâmica da cidade e a vista é um convite a fotos.

Este ano, um dos prédios da universidade foi invadido pelos asiáticos. Lá, presencia-se o artista (J. Mitani) que constrói real e virtualmente incríveis origamis e pode-se conversar com um robô (em inglês, é claro!), assim como interagir com curiosos objetos e participar de jogos no computador.

Em uma igreja barroca, uma artista canadense (J. Cardiff) instalou 40 auto-falantes de onde saem um coro, com as vozes individuais gravadas de 40 cantores que entoam uma composição renascentista. Sente-se o concerto como se os cantores estivessem presentes, perfilados em torno do público.

No prédio OK visita-se trabalhos interessantes, misturados às obras de alguns dos premiados deste ano. Em cada sala uma surpresa e um convite à sua revelação: passear sem sapatos por uma sala inundada que espelha reflexos da água nas paredes e teto (do suíco S. Banz), apoiar-se numa bolha de plástico gigantesca, refrescar-se num nevoeiro de vapor (do japonês F. Nayaka). Na barroca cúpula da igreja Insuline pode-se  observar e tocar uma extensa serpentina de gelo (do alemão P. Maier) e curtir uma instalação de luz e movimento (dos brasileiros G. Motta e L. Lima). Ou manipular uma máquina que imita o som do vento (áudioinstalação do austríaco W. Dorninger) e outras inusitadas  experiências.

Mas eu estava em busca da produção nacional premiada e saí à procura dos artistas.

E foi no prédio OK que encontrei a dupla de brasileiros R. Cantoni e L. Crescenti, ganhadores de menção honrosa em arte interativa com a cinética escultura entitulada Túnel, uma grande instalação imersiva e interativa de 6 metros que reage, deslocando-se e desestabilizando o interator que a usa. Observar os visitantes que passam pela sala, tímidos ao entrar na instalação, é um show à parte, pois ao perceberem que são eles os atores do espetáculo, desinibem-se, correndo e agitando a máquina. Observar ainda os diferentes efeitos de luz e sombra que esse deslocamento produz nas paredes, no teto e no chão da sala é surpreendente, pois a escultura é formada de molduras/módulos flexíveis que, iluminados, refletem múltiplas sombras geométricas.

Conversando com a dupla, fiquei sabendo de sua história artística e pessoal, dos projetos, dos limites de produção e exposição, dos objetivos e de outras idéias.

O começo foi em 2005, quando se conheceram. Mas os 2 já desenvolviam projetos individuais e coletivos em suas áreas. Rejane é artista e pesquisadora de arte, ciência e tecnologia; Leonardo é arquiteto, fotógrafo e artista.

Primeiro foi o amor que os uniu, mas a inquietação artística latente nos dois fez com que eles se tornassem parceiros também no trabalho. O cinema os interessava e eles decidiram investigar novas interfaces cinemáticas. Alí nascia Infinito ao Cubo, uma instalação espelhada por dentro e por fora, apoiada em molas, que oscila reagindo ao peso e movimento do usuário, e também à luz, gerando imagens ópticas infinitas. Dentro dele, o usuário se vê de todos os ângulos e em todas as formas ele é multiplicado. Estranhamento e magia são os sentimentos dominantes.

As idéias da dupla nascem da direta relação com o público e a intenção é tocar o interator e ele se sentir tocado pela obra, ou seja, criar sensações corporais na interação com a instalação. Esse quesito, que guia a trajetória dos dois, originou-se da preocupação da dupla com as tecnologias atuais. Cercado de tanta tecnologia, o homem parece ter-se esquecido de que tem um corpo e não apenas dedos que digitam teclados de computadores, celulares, iPhones e iPads. Voltar a senti-lo e perceber que só com seu corpo a obra pode ter vida é uma nova maneira de entender não só a arte e as tecnologias, mas também um novo modo de perceber, integrar-se e brincar com a arte e com as novas tecnologias. Ou seja, nas instalações e esculturas da dupla, tem que se mexer, tocar e sentir.

Os trabalhos subsequentes? Surpresa e inquietação, pois cada nova idéia é um problema que suscita investigação em múltiplas áreas de conhecimento, não só em arte e tecnologia, mas em física, mecânica, ótica etc. E para os dois esse é o grande barato: conseguir tornar a idéia real e acessível, empacotável, transportável, eficiente e barata.

E é com esses quesitos na cabeça que Rejane e Leonardo pensam e curtem os próximos trabalhos, carregando suas instalações e esculturas para diferentes pontos do planeta. Pelo Brasil afora e para fora dele.

Para aqueles que acreditam que amor e trabalho não dão certo juntos, eles asseguram que o trabalho em equipe enriquece e complementa. Ganham o trabalho e o público.

O próximo desafio? Poder continuar criando, pois o desafio é sempre a obra seguinte.

 

Imagem da obra "Redes Vestíveis", de Cláudio Bueno. Foto Cauê Ito.

 

E no meio à torre de Babel de pessoas e obras, encontro mais um artista brasileiro premiado em arte interativa.

Claudio Bueno é doutorando em artes visuais pela USP e, apesar de jovem, já participou de exposições nacionais e internacionais. Redes Vestíveis é o nome do trabalho premiado. É um jogo na web ou uma performance que se faz em coletivo, através da trama de uma rede virtual elástica. Essa rede está geograficamente localizada e é representada graficamente nas telas de aparelhos celulares. Um jogador localizado num ponto geográfico, num parque, numa rua etc. coloca-se sob a rede, estabelecendo um nó. Outros jogadores (em qualquer parte do planeta) também entram na rede, constituindo outros nós da trama. O jogo consiste em que cada jogador se movimente, tensionando a trama virtual e obrigando os outros jogadores a também se movimentarem. Aquele que não se move estoura seu nó e é desconectado. A informação controla o movimento do corpo e obriga esse corpo a se movimentar dentro do sistema, como um peão de xadrez.

Enquanto no Túnel o corpo domina a performance, aqui o corpo é comandado pela informação, obrigado que está a reagir e se movimentar num espaço que ele não vê fisicamente. Mas, como no Túnel, em Redes Vestíveis experimenta-se um misto de diferentes sensações.

Claudio, entretanto, chegou à arte e tecnologia por um caminho diferente. Formado em publicidade, constata a proximidade entre a arte-mídia contemporânea e a voracidade publicitária, facilitada pela abrangências das técnicas e práticas promocionais. Afinal, exposições, festivais, feiras,  performances e sites da net possibilitam o acesso e a intervenção públicas cada vez mais corriqueiras. O artista acredita que a dicotomia arte e tecnologia versus arte contemporânea esteja desaparecendo.

Surpreso com a velocidade que sua carreira vem tomando, ele se preocupa em amadurecer conceitos, como a noção de participação, e está interessado em formar parcerias onde a pesquisa se articula mais fortemente. Seu foco é a arte que consegue misturar procedimentos, processos e idéias, sem segmentar-se em um gênero. E ele sabe que esse não é um trabalho simples, pois envolve diferentes ciências, procedimentos, mídias e tecnologias.

Cada projeto fala de um jeito diferente e para Claudio, o atual trabalho é a semente para a obra seguinte. Contaminado pelo Redes Vestíveis o artista prepara as malas para exibir seu trabalho Campo Minado no México, indicado para um prêmio.

E dos 72 brasileiros participantes do festival Ars Electronica, saio em busca do terceiro premiado.

 

Imagem da obra "Six-Forty by Forty-Eighty", de Marcelo Coelho.

 

Marcelo Coelho é designer, formado em arte computacional, e trabalha no MIT Media Lab (EUA). Seu interesse de pesquisa e aplicação é a intersecção entre computador, ciência de materiais e o interventor humano. O trabalho premiado, em parceria com Jamie Zigelbaum, chama-se Six-Forty by Four-Eighty (referência à antiga resolução de uma tela de TV ou computador) e pode ser entendido como a criação de formas e cores para design, a partir do comando humano.

A instalação viva, em movimento e colorida convida o observador a sair de uma atitude passiva e participar do jogo, da brincadeira ou da criação. As crianças adoram intervir e criar cadeias de pixels coloridos, transformando-os em paralelas, serpentinas, via-lácteas ou outras formas de luz e cor.

Com isso, o artista e seu parceiro intentam mostrar às pessoas que a tecnologia digital não se limita ao mundo das telas e teclados. Marcelo pensa que a criação do bit e sua relação com os átomos é uma das revoluções mais importantes na história da humanidade e que trabalhos como este tem o papel de revelar, preparar e liderar as pessoas para esse futuro, onde a intervenção do interator possibilita a criação de novos designs.

Este é um momento importante, segundo ele, pois as tecnologias de mídias interativas estão mais amadurecidas e acessíveis. O público, os colecionadores, os museus e outras instituições passaram a ver tais trabalhos não só como inovação técnica, mas como arte. Essa mudança de perspectiva fez com que os trabalhos, instalações, jogos, filmes, performances e outras intervenções tivessem um embasamento mais rigoroso e focado, e o interesse no futuro das tecnologias crescesse. O Prêmio Ars Electronica, ou o Oscar para as tecnologia e mídias é prova disso.

Como os outros premiados, Marcelo pensa que o panorama atual é um incentivo para crescer e que seu trabalho mais importante é, com certeza, o próximo.

E nós, público apreciador, observador e interator esperamos e preparamo-nos para os próximos trabalhos, performances e instalações tão instigantes como estes, certos de mais surpresas nos futuros festivais, apresentações e exposições.