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Monday
Dec072020

A arte de Christo e Janne-Claude

POR MARIA TERESA SANTORO DÖRRENBERG
2020

Image: Gertrude K.

Era junho de 1995. Naquele final de primavera eu passava todos os dias em frente ao parlamento alemão de Berlim com meu velho Ford vermelho, a caminho da biblioteca central onde eu estudava. Comecei então a observar uma movimentação anormal em torno daquele prédio. Estruturas de metal e outros materiais eram descarregados todos os dias nas proximidades do edifício. Num dia nublado daquele mês, enormes caminhões carregados de tecido também estacionaram as redondezas.

Eu me perguntava o que aconteceria naquele parlamento até então sem vidros nas janelas, com marcas de disputas violentas nas paredes e sem grande parte do teto na parte central da construção. Também foi a primeira vez que ouvi falar da dupla de artistas Christo e Jeanne-Claude.

Sem internet nem computador, eu trabalhava com um antigo laptop emprestado de um amigo. Mas como tínhamos tv, rádio e telefone, logo me inteirei do evento que eu presenciaria: o encapamento do abandonado parlamento alemão. Um projeto que nasceu no início dos anos 70 e teve que passar por 7 votações dos parlamentares até ser aprovado.

E os trabalhos avançaram. Inúmeros profissionais atuaram na montagem da estrutura que sustentaria a capa de polipropileno cor de alumínio. Quando isso ficou pronto, entraram em cena 90 jovens alpinistas australianos que iam soltando os panos, encapando e amarrando as paredes do prédio. Foi uma performance simiesca que atraiu a atenção de quem passava por lá. Pendurados nas paredes, eles subiam e desciam panos e cordas, cobrindo toda a extensão do parlamento. No princípio dos trabalhos circulavam na área algumas poucas pessoas, curiosas como eu. Mas o número foi aumentando quando os escaladores começaram a função. No final da tarde, de volta para casa, eu estacionava o carro por ali e ia observar a evolução dos trabalhos mais de perto e apreciar a multidão que se formava. Que delícia e que privilégio estar na cidade naquele movimentado início verão e presenciar o espetáculo dessa transformação.

 

Image: Motohakone 

E toda a performance foi agregando curiosos e fãs que se encontravam para observar, papear e comentar o que viam. Muitos observadores passaram a fazer como eu e começaram a frequentar o gramado em frente ao parlamento diurna e noturnamente.

Em 24 de junho daquele ano o parlamento tinha se transformado numa grande obra artística: encapado, amarrado e fixado. E os curiosos visitantes já haviam transformado os arredores em uma grande plateia, como se na frente fosse acontecer o maior show de verão daquele ano. Vi um pouco de tudo nas semanas de construção da obra e nas 2 semanas em que aquele encapamento durou: casais e famílias passeando, jovens encontrando-se ou namorando no jardim em frente, shows alternativos de música em frente do prédio-obra, picnics de famílias e de amigos no gramado, performances de artistas amadores, fotógrafos e gente das mídias diariamente gravando e documentando o evento, e ônibus descarregando turistas todos os dias. E a transformação do prédio de 137 metros de comprimento por 97 metros de largura foi impressionante: um monumento ou uma enorme escultura ao ar livre.

Então, depois da queda do muro de Berlim, e passando por um difícil período de transição e adaptação financeira, social e cultural, de repente o alemão passou a sorrir diante daquela gigantesca estrutura encapotada. Após 6 anos da reunificação do país, era como se a separação das duas Alemanhas estivesse num passado longínquo ou nunca tivesse existido.

Todo o processo do parlamento embrulhado poderia ter sido realizado através de máquinas. Não foi essa, porém, a intenção do casal de artistas. Eles idealizaram o processo como uma performance assistida pelos habitantes da cidade e pelo resto do mundo. E a ação transformou-se num evento monumental de criação artística, com o embalamento feito pelos escaladores humanos.

Quebrando a previsão dos organizadores de 500 mil visitantes, o parlamento alemão teve 5 milhões de pessoas passando e passeando por lá durante aquele mês de junho. Nos fins de semana quase não se conseguia chegar perto da mega instalação, tamanha a aglomeração de gente.

Christo e Jeanne-Claude estiveram presentes em muitos dias, dando entrevista e acompanhando o trabalho e os efeitos dele na paisagem da cidade, no público e nas mídias.

Em 2001 visitei Berlim novamente e havia uma exposição da dupla no museu Martin-Gropius-Bau. Nela pude conhecer e entender o início e a intenção das produções. Christo e Jeanne-Claude começaram o trabalho artístico encapando objetos, as próprias obras artísticas, construindo pacotes, empacotando quadros, estruturas, embalando árvores, cobrindo vitrines, fachadas etc., além da apresentação de projetos urbanos. A exposição mostrava 420 trabalhos, perfazendo uma produção que foi de 1958 até 69.

Presente em 1968, na documenta de Kassel, o casal participou com um invólucro aéreo de 85 metros de comprimento, a enorme salsicha cheia de ar que também estava documentado em fotos na exposição de 2001 que visitei. E daí para frente surgiram e se concretizaram inúmeros projetos urbanos.

Entre os monumentais trabalhos concretizados, estão "Wrapped Coast, Little Bay", em Sydney, na Austrália (1968-69), "Valley Curtain", no Colorado (1970-72), "Running Fence", na Califórnia (1972-76), "Surrounded Islands", em Miami (1980-83), "The Pont Neuf Wrapped", em Paris (1975-85), "The Umbrellas", no Japão e na Califórnia (1984-91), "Wrapped Reichstag", em Berlim (1972-95), "The Gates", no Central Park em Nova York (1979-2005), "The Floating Piers", no Lago Iseo na Itália (2014-16), e "The London Mastaba", no lago Serpentine em Londres.

Nascido na comunista Bulgária em 1935, em autoexílio pela Europa, conheceu em 1958 a artista Jeanne-Claude em Paris, nascida na Marrocos francesa, na mesma data que ele. Logo eles se casam e Jeanne-Claude se torna sua colaboradora. Depois de mais de 50 anos trabalhando juntos, Jeanne-Claude morreu em 2009. Christo, porém, não desistiu dos projetos da dupla e pode-se dizer que o encapamento do Arco do Triunfo, em Paris, é também um importante projeto aprovado do casal. Concebido nos anos 60, o monumento será embalado com polipropileno azul e forro metálico, e amarrado com cordas vermelhas. Programado para 2020, foi, porém, adiado para 2021 em função da atual crise pandêmica. Ele marcará ainda a despedida de Christo, falecido no último mês de maio.

Em tributo ao casal de artistas 2 exposições foram concebidas com a retrospectiva dos projetos de 1963 a 2020. A primeira acontece no Palais Populaire de Berlim até 14.09.2020. Ela apresenta as fotos dos encapamentos e dos projetos, concebidos e desenhados pelo artista. A segunda, no Centro Pompidou em Paris, está em cartaz até 19.10.2020.